domingo, 5 de dezembro de 2010

A ANATOMIA DO OLFATO

            Segundo recentes pesquisas realizadas na Europa, Estados Unidos e União Soviética, os efeitos dos odores na psique podem ser mais importantes do que os cientistas sempre pensaram.  
 
            O sentido do olfato agre principalmente no nível subconsciente; os nervos olfativos são diretamente ligados à parte do cérebro mais primitiva, o sistema límbico – o elo com nossos ancestrais sáurios, nossos primos distantes, os répteis.  Considerando o nervo olfativo uma extensão do próprio cérebro, é fácil ver que se pode chegar até ele através do nariz, a única porta de entrada do cérebro.
           
O sistema límbico é a parte do cérebro que regula a atividade sensório-motora e é responsável pelos impulsos primitivos do sexo, fome e sede.  O estímulo do bulbo olfativo envia sinais elétricos para a região do sistema límbico responsável pelos mecanismos viscerais e comportamentais, afetando diretamente os sistemas digestivo e sexual, e o comportamento emocional.  De fato, a reação elétrica do cérebro ao cheiro é praticamente a mesma reação ligada às emoções.  (Em francês, usa-se a mesma palavra para “cheirar” e “sentir”:  sentir.)

            Os processos da recepção olfativa permanecem num nível inconsciente: na maioria das vezes, não percebemos os cheiros que nos cercam.  Por alguma razão ainda desconhecida, quando entramos em contato com um cheiro novo, ficamos “cegos” para ele depois de algum tempo.  Os sinais elétricos ligados àquele determinado cheiro continuam chegando até o cérebro, mas os contatos com os centros conscientes do corpo são desligados.  Isso mostra que nossos centros conscientes têm um controle muito pequeno sobre os estímulos olfativos.

            Os nervos olfativos terminam numa região do cérebro que não usa o mesmo tipo de lógica dos nossos centros do intelecto. Embora os odores formem um tipo de sistema de comunicação, não podem constituir uma linguagem, pois funcionam por associações e imagens e não são analíticos.

            Segundo E. Douek[1], a anomia, isto é, a perda do olfato, sempre vem acompanhada de certa depressão, que pode atingir níveis muito altos. Com a perda desse sentido, a pessoa também perde o paladar, o que torna o mundo monótono e sem cor.

            Outra anomalia ainda mais interessante é a parosmia, a perversão do olfato (normalmente ligada a uma percepção de cheiros ruins).  Nesses casos, pessoas tímidas e introvertidas tendem a achar que o cheiro ruim emana delas mesmas, enquanto indivíduos com tendências à paranoia acham que o cheiro vem dos outros.  Estes últimos chegam a suspeitar que seus próprios amigos estejam tramando algo contra eles e, normalmente,revelam tendências à tirania.  Segundo Douek, o rei francês Luiz XI sofria desse problema. Ele adorava encher suas prisões e inventar métodos sofisticados de tortura para conseguir a confissão de suas vítimas.  Seria bem interessante investigar a sanidade olfativa dos tiranos mais importantes em toda a história do homem!

Aromaterapia e o olfato

            O olfato parece ser “um sentido químico”, pois existe uma ligação direta entre o cérebro e o ambiente, que ocorre no nariz.  Apenas alguns centímetros separam o receptor olfativo do cérebro e as fibras nervosas do sistema olfativo, que vai diretamente para a área límbida, responsável pelas emoções, conforme vimos acima.  Por esta razão é que podemos influenciar o estado de espírito, as sensações e emoções com inalações de óleos aromáticos. O sistema límbico também tem ligações com o tálamo e o córtex, dando aos aromas a capacidade de afetar o pensamento consciente e as reações.

            As substâncias odoríferas terão que ser voláteis, ligeiramente hidrossolúveis (na água) e lipossolúveis (na gordura).  Na maior parte do tempo, elas se adaptam aos receptores olfatórios no primeiro segundo após a estimulação, mesmo com uma quantidade muito pequena.  Um estímulo constante, entretanto, causa uma adaptação ou fadiga olfativa. 


Sistemas olfativos e mecanismos sexuais

            Os mamíferos liberam sinais olfativos sexuais chamados feromônios, através de glândulas apócrinas especializadas na produção de odores.  Nos seres humanos, a maior parte dessas glândulas fica localizada na região circum-anal e anogenital, no peito e abdômen e em torno dos mamilos, com algumas variações nas diferentes raças.

            A maioria dos perfumes contém ingredientes que imitam esses sinais olfativos sexuais, como a algália, o almíscar ou o castóreo, além de substâncias como o sândalo (que conserva especial semelhança com o feromônio masculino androsterol).  Os seres humanos segregam moléculas parecidas com as do almíscar e entram em contato com esse cheiro ainda no útero materno, o que seria uma possível explicação para sua aceitação geral entre as raças.  A principal função dos perfumes, então, seria a de acentuar e reforçar os odores naturais e não a de escondê-los.
           

O portão de entrada para a alma

            Quando, no início do século XX, Sigmund Freud[1] abriu a caixa de Pandora do inconsciente, chegou a pensar que os impulsos sexuais seriam a principal atração do espetáculo apresentado em nosso palco interior.  Considerou a repressão do cheiro uma das maiores causas das doenças mentais e desconfiou de que devia haver alguma relação entre o nariz e os órgãos sexuais.  (A alergia a determinados cheiros é uma doença psicossomática).

            Enquanto a psicanálise e seus avatares exploram o inconsciente do lado da mente, o nariz e o sentido do olfato dão acesso à caixa de Pandora do outro lado: o lado desconhecido, o lado sáurio, aquele dos primórdios da vida.  As sutis emanações criam uma rede abrangente que estabelece um vínculo com o inconsciente das espécies, com a vida em si.  As experiências mais fortes e profundas costumam vir acompanhadas de sensações olfativas.  Todas as tradições, mesmo as mais puritanas, já experimentaram o poder das fragrâncias; toda religião conhece seu uso cerimonial (geralmente ligado a sons e cores) com o intuito de provocar a elevação espiritual dos fiéis e seguidores.  Um homem devoto, um místico, sente o cheiro de fragrâncias celestiais durante seu êxtase mais profundo.  

            Uma fragrância é capaz de suscitar as sensações mais profundas e ao mesmo tempo mais fugidias.  Como a felicidade, o amor ou o riso, os cheiros nos pegam quase de surpresa e se esvaem assim que tentamos nos apoderar deles.  Quer estejamos andando na rua, cuidando do jardim, passeando na mata ou tomando um cafezinho, de repente somos tomados por uma emanação misteriosa que invade nossas narinas e abre as portas de uma magia.  É um êxtase momentâneo, com ondas de deleite percorrendo nosso corpo e produzindo imagens e sensações novas.  Mas, se tentarmos captar o momento no nível racional, a experiência desaparece como uma bolha de sabão; se tentamos descrevê-la, não encontramos as palavras adequadas.  Apenas ficamos com a sensação de um passe de mágica que se perdeu.

            Segundo Jean-Jacques Rousseau[2], o sentido do olfato é a própria imaginação.  Alguns autores precisaram de sensações olfativas para estimular a criatividade.  Guy de Maupassant[3], por exemplo, costumava colocar morangos numa tigela com éter. Friedrich Schiller[4] enchia a primeira gaveta de sua escrivaninha com maçãs maduras.

            O cheiro está ligado diretamente à memória; de fato, as lembranças olfativas são muito precisas e quase indeléveis.  O cheiro e o gosto de uma fatia de bolo com uma xícara de chá inspiraram Marcel Proust[5] numa de suas maiores obras-primas da literatura, um trabalho de introspecção inigualável na precisão e no vigor.

            Provavelmente todos nós temos o nosso perfume inspirador.  Para mim, a lavanda e seus lindos vales lilases da Provença francesa me levam a estados meditativos profundos. Lá posso tocar em suas pétalas e me inebriar com o seu doce perfume.  Essa sensação é um presente para a minha alma e sinto-me de volta ao lar.  Por que sair daqui?

Métodos de absorção transepidérmico

            São mecanismo de ação dos óleos essenciais na pele e a sua absorção pelo tecido muscular e pelos vasos sanguíneos de onde são levados para todos os tecidos e órgãos.  Sabe-se que a pele é praticamente impermeável por sua função protetora.  No entanto, ela é permeável a substâncias voláteis, formadas por moléculas capazes de emitir vapores com odor.  Os fatores que afetam a permeação são a espessura e a região da epiderme.  As regiões com grande número de orifícios pilossebáceos são as mais permeáveis e vascularizadas, com maior capacidade de associação a outras substâncias da pele.

            Os óleos vegetais naturais, compostos lipídicos obtidos das sementes como a de girassol, abacate, uva etc. são os que melhor penetram, pela semelhança com a gordura da pele e pelo grande poder de difusão.  Todo óleo essencial necessita de um veículo adequado para proporcionar maior penetrabilidade e os óleos vegetais são os mais adequados para aplicações na epiderme por difusão.

OBS:  ESSE TEXTO PODE SER UTILIZADO LIVREMENTE, DESDE QUE CITADA A FONTE.




[1] Sigmund Freud (1856/1939) foi um médico neurologista austríaco, fundador da psicanálise.
[2] Jean-Jacques Rousseau (1712/1778) foi um filósofo, escritor, teórico político e um compositor musical autodidata suiço.
[3] Guy de Maupassant (1850/1893) foi um escritor e poeta francês, com predileção para situações psicológicas e de crítica social com técnica naturalista.
[4] Friedrich von Schiller, (1759/1805), foi um poeta, filósofo e historiador alemão, representante do Romantismo alemão.
[5] Marcel Proust (1871/1922) foi um escritor francês, mais conhecido pela sua obra  À la recherche Du temps perdu (Em Busca do Tempo Perdido), que foi publicada em sete partes entre1913 e 1927.


[1] Em Perfumery: The Psychology and Biology of Fragance.

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